Monday, June 04, 2007

Em equipa que ganha não se mexe?

Estou em crer que as verdades absolutas já não são o que eram. Antigamente, no meu tempo de miúdo, a nossa equipa ganhava e era a melhor possível. Os jogadores eram nossos, passavam anos no clube e só iam para um clube estrangeiro, maior que os nossos sonhos.
Mas eram poucos. O normal era identificarmo-nos com os nossos ídolos de sempre. Por vezes, quando os carolas da equipa faziam um bom negócio e o dinheiro tinha de desaparecer, não fosse o Estado levá-lo em algum imposto injusto, lá vinha um estrangeiro, daqueles de ficar de boca aberta e que nós sabíamos ia resolver os jogos todos.
Era o tempo em que a equipe, se ganhava ou perdia, não importava, era nossa. Se perdíamos o treinador mudava, um ou dois malandros eram mandados embora no final da época e a vida seguia, simples e serena como a nossa equipa.
Depois vieram outros tempos. De repente, deixamos de jogar futebol. Os miúdos, não sei se pelas ruas terem ficado mais perigosas ou o trânsito aumentado, deixaram de jogar à bola na rua e com isso, ao que parece, o número de craques desceu. As equipas – as nossas e a dos adversários – passaram a ter nomes estrangeiros em abundância (vindos de países onde ainda se jogava bola na rua), uns bons e outros muito maus que até nem se percebia porque estavam na nossa equipa.
Assim como quem estava a dormir, a rua deixou de ser escola e passou a antro marginal. Os nossos pais arranjaram televisão a cores, aumentaram o número de canais e as parabólicas proliferavam como se fossem baldes de informação a ferver nos telhados. Ficávamos mais tempo em casa e já nem íamos aos jogos porque a parabólica custou caro e não havia dinheiro para ir ao estádio. Mas saímos a ganhar porque víamos os resumos dos jogos espanhóis, franceses e polacos (junto com uns filmes bem malandros que passavam tarde…).
E de repente a malta deixou de jogar e os estádios estavam cheios de nomes estranhos que os locutores chamavam de forma diferente para aumentar ainda mais a confusão.
Já não conseguíamos saber a nossa equipa de cor. Três vezes por ano chegava uma carga de nomes novos e não havia volta a dar.
Aquela memória prodigiosa que nos anos 60 e 70 era capaz de dizer a constituição das duas equipas no jogo Porto x Sporting, (por exemplo) da época 71/72 acabou. Porque antes só tínhamos de decorar os suplentes ou quem substituía um ou outro lesionado.
Pensava eu que haveria mudanças a partir do momento em que esta Europa passou a querer portugueses nas suas equipas, mas não.
Agora, os nomes que não chegamos a decorar (porque saem cada vez mais jovens) são substituídos por outros jovens que não teremos tempo de admirar.
Entretanto, as ruas estão vazias.
As parabólicas enferrujam nos telhados e é tudo digital.
Nestes tempos em que a rua morreu, a televisão é um suporte virtual e o que interessa são os milhões que se arrecadam e transaccionam.
Também os traseiros mudaram.
Assistíamos aos jogos em degraus de betão, às vezes tão frio que ficávamos com o rabo dormente. Na maior parte das vezes assistíamos de pé, à chuva, divertidos ou infelizes. O bilhete era popular e dava para as economias.
Neste novo século temos de ter muito dinheiro para o futebol, não apanhamos frio ou chuva e se formos para lugares mesmo muito caros até nos trazem comida.
O futebol como espelho de uma democracia superior acabou
Os miúdos já não querem ver os jogos reais.
Nem os polacos.
Agora através de uma maquineta extraordinária jogam com as equipas que quiserem contra quem calhar, podendo mudar uma equipa inteira e, imagine-se colocar-lhes cabeças de panda.
O jogo virou entretimento. Deixou a fantasia e até o desporto está a ir embora. A história dos clubes ainda suporta aquele desejo de pertencer a um grupo que imitávamos na rua. Não por serem super-homens, ganharem muito ou venderem aparelhos de barba. Imitávamos porque queríamos fazer felizes os nossos pais.
Lembro-me de vê-lo, em jovem, a roer as unhas de ansiedade, corpo curvado para o rádio, não fosse alguma palavra escapar à orelha. Lembro-me de torcer pela equipe dele porque me custava vê-lo sofrer, como os olhos se iluminavam quando falava dos grandes jogadores do seu clube (não do coração mas das entranhas) e da semana de doces em casa quando éramos campeões.
Lembro-me da alegria que era ser da equipa daquele homem severo e distante que poucas vezes vi sorrir e que me fazia ir para a rua jogar à bola com outros miúdos que sonhavam ter um lugar no coração de alguém.
Porque a responsabilidade de um futebolista é ocupar o coração das pessoas. Não importa o seu comportamento exemplar ou não (Cantona e Belfort Duarte são faces de uma mesma moeda).
Importa aquilo que tiveram de único e imemorial na nossa crença de que é melhor jogar futebol na rua e esquecer a hora do jantar.








Vinhas

3 Comments:

At 4:35 PM, Blogger Helena Henriques said...

Então, não param de chorar? Ainda inundam o blog! ;)

 
At 4:39 PM, Blogger Efe said...

ahahahah, Helena!

 
At 2:56 PM, Blogger Helena Henriques said...

:D

 

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