Wednesday, October 21, 2009

Angulo e a boa gestão desportiva

Num almoço domingueiro, daqueles que se esticam até bem depois da hora do lanche, dizia-me um familiar, pessoa ilustre do mundo da bola, tido na família como ‘não lagarto’, o que já lhe valeu peúgas brancas e lenços de pano no Natal, que o Sporting era ‘injustamente incompreendido’, apesar da sua política ser a mais realista dos 3 grandes e que estava a pagar, publicamente, pela sua seriedade e responsabilidade.

Devo, em algum momento, ter rebolado os olhos. Mas agora, com a devida distância, não posso deixar de me surpreender pela mensagem dos dirigentes do Sporting ter conseguido passar: O actual momento da equipa é um mal necessário. Como se tudo estivesse previsto, como se nunca se tivesse dito que este ano, como em anos anteriores, teríamos que ser campeões desse por onde desse. Ou seja, a história dos orçamentos, as armas desiguais, a responsabilidade da gestão, a preocupação pelo futuro. E que tal se se fossem todos encher de merda?

Este post está na gaveta desde o jogo com o Belenenses, em reflexão. Passadas 2 semanas e o jogo para a taça, a minha opinião mantêm-se: O problema não é o modelo desportivo-financeiro que o Sporting decidiu adoptar. O problema é a falta de capacidade para aplicar o presente modelo desportivo-financeiro.

Em teoria, não me incomoda este modelo: Criar e desenvolver activos (jogadores) que possam gerar mais-valias desportivas e financeiras a partir da sua valorização. Este modelo considera 3 pressupostos fundamentais:
1. A utilização obrigatória de valores da formação na equipa sénior;
2. Complementaridade de jovens valores com activos experientes de forma a manter a competitividade da equipa;
3. A rentabilização financeira dos activos, em particular da formação;

Ora este modelo terá então que assentar, para o seu sucesso, no sucesso desportivo. Faço um desenho: Sem sucesso desportivo, os jogadores não se valorizam, não se valorizam valem menos, valendo menos não há dinheiro, não há dinheiro o passivo cresce.

Com a entrada do Paulo Bento consolidou-se definitivamente um dos pressupostos principais: A subida à primeira equipa de valores da formação, aqueles que serão prioritariamente principais activos futuros. Há que dar-lhe mérito: Poucos treinadores seriam capazes de assumir este pressuposto como se fosse o mais importante de toda a política do clube. E aqui está um dos erros do Sporting: a aposta em jovens jogadores deve ser tão importante quanto a capacidade de conseguir dar consistência, competitividade e qualidade à equipa e esta qualidade, é praticamente impossível de existir sem o segundo pressuposto.

Ora, para que este segundo pressuposto esteja garantido é necessário o investimento em jogadores que sejam capazes de dar maturidade e proporcionar rendimento desportivo à equipa. Sem discutir se o investimento pode/ deve ou não ser maior, a verdade é que, tendo em vista o sucesso do modelo desportivo, se não existe capital para realizar este investimento a obrigatoriedade de eficácia do investimento efectuado é ainda maior. E aqui está o segundo erro e talvez ainda mais importante que o primeiro: A falta de recursos obriga a um maior rigor na sua aplicação. No Sporting actual, não existe margem para falhas e cada aquisição tem que responder a uma identificação clara de necessidades da equipa e a uma eficácia absoluta no rendimento desportivo, a curto prazo.

Vamos lá então ver o rendimento individual dos investimentos do Sporting nos últimos 3 anos (Apesar de menor risco, considero o ‘empréstimo’ um investimento uma vez que supõem a utilização de recursos financeiros, seja para contratação, salários ou prémios):

Guarda- Redes
Stojkovic
Ricardo Baptista

Defesas
Pedro Silva
Marian Had
Gladstone
Leandro Grimi
Caneira

Médios
Vukcevic
Izmailov
Celsinho
Rochemback
Matias Fernandez
Ângulo

Avançados
Purovic
Derlei
Rodrigo Tiuí
Hélder Postiga
Caicedo

Analisando os ‘reforços’ de origem externa dos últimos 3 anos, pode-se considerar que apenas 3 de 18 (!) vieram trazer uma mais-valia à equipa: Derlei, Izmailov e Vukcevic (e neste caso, com rendimento variável).

Naturalmente que nem todos foram contratados para fazer a diferença e para desempenhar um papel determinante na equipa. Mas à excepção de Ricardo Baptista e Celsinho, penso que posso dizer que todos foram contratados com a intenção de se integrarem rapidamente na equipa e constituírem uma opção válida para o treinador. O resultado é o que se sabe (dando benefício da dúvida a Fernandez e Caicedo. Ao Ângulo não vale a pena): Tirando o caso do Stojkovic, que é um problema disciplinar, todos os outros se revelaram erros grosseiros de casting, com rendimento bastante inferior ao que deveriam ter tido na equipa. Incluindo Postiga, tendo em conta o seu custo. E ainda falta pagar 2,5 M €…

Apesar de inferior a FC Porto e Benfica, considerar a falta de investimento do Sporting como desculpa para a falta de resultados, é um engano. Acredito que com os poucos recursos que existem é possível fazer melhor. É preciso para isso mais eficácia nas escolhas, um conhecimento e influência no mercado que talvez seja insuficiente e, possivelmente, uma maior independência de empresários que injectam as suas ‘vedetas’ com o impacto desportivo que se conhece.

Mas os disparates não se resumem à aquisição de jogadores. Reportando-nos ao mesmo período de 3 anos, concluímos que a mesma inépcia existe para a colocação/ venda de jogadores: Stojkovic, Tiuí, Celsinho, Romagnoli, Carlos Martins e Varela são apenas exemplos, que não se podem explicar pela suposta desvalorização dos jogadores perante a falta de resultados desportivos, de uma inépcia constrangedora na relação com o mercado. E falta ainda explicar se o Braga pagou a totalidade da indemnização de Tiago Pinto.

No entanto, a rentabilização financeira dos activos, o terceiro pressuposto, é efectivamente uma consequência directa do sucesso desportivo, que simultaneamente, permite a geração de mais-valias financeiras directas. Ou seja, se um jogador permite valorizar a equipa, a equipa valoriza individualmente os jogadores.

O caso do FC Porto é paradigmático: Independentemente da capacidade negocial que possam ou não ter, seria possível ao Porto rentabilizar os seus jogadores da mesma forma sem vitórias?

Ganhar é hoje fundamental para a reabilitação desportiva, financeira e anímica do Sporting. Justificar a falta de resultados com questões orçamentais, em nome do rigor financeiro, é apenas desresponsabilização. Como se o rigor financeiro fosse incompatível com o sucesso desportivo. O Sporting, hoje, é um problema de competência e eficácia da gestão desportiva, com impactos sérios e imediatos a nível financeiro. E se o modelo não me parece estar, de forma alguma, esgotado, é necessário rever rapidamente os seus mecanismos de implementação. Não quero ver o Moutinho sair pelo preço que custou um Grimi, nem substituído por um Ângulo…

2 Comments:

At 2:43 PM, Blogger Diego Armés said...

Muito bem, reflexão absolutamente lógica e fundamentada.

No capítulo da falta de competitividade da equipa, não só concordo que, a nível individual, o Sporting tem elementos que deveriam produzir muito mais, como acrescento que são pagos para isso mesmo. Não há desculpa para gajos que ganham o triplo ou o quádruplo da média dos restantes da Liga Sagres fazerem exibições individuais pautadas pelo desinteresse, a desmotivação ou a preguiça. Aqui, e já fugindo à conversa do modelo/aplicação do modelo, penso que era necessária alguma mão de ferro dos dirigentes, reforçando os poderes do treinador, por um lado, e encostando os jogadores à parede, por outro.

 
At 12:14 AM, Blogger Férenc Meszaros said...

Li um dia destes num blog que 'a equipa do Sporting hoje, valia menos que a soma das partes'. Não podia estar mais de acordo.

Acho que o PàlBent não é o problema, mas começa a não ser solução: Ver Polga. Que moral tem o PálBent para exigir da equipa, quando o Polga enterra jogo atrás de jogo e o Tonel só entra quando o homem se lesiona?

Não entendo a falta de ambição, o desinteresse e a preguiça, como dizes. Mas depois quem assobia, deixa de ir ao estádio ou acaba por deixar de pagar as quotas para não estar a alimentar chulos, é mau sportinguista. A culpa é do orçamento pequenino, pá!

 

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