Tuesday, August 28, 2007

Pequena e humilde lição sobre as coisas que verdadeiramente importam

Comecemos pelo princípio: ganhar. Não se trata de um processo simpático nem de um desfecho acidental a concluir esse mesmo processo. Chamemos-lhe "objectivo" ou "finalidade". Tanto faz. O que conta é que é o princípio do belo-desporto - bem como de todos os desportos de competição.
Há várias formas de ganhar. Há quem ganhe na relva e há quem o faça em gabinetes. Há quem ganhe com mérito e há quem vença com ajuda. Há ganhadores com sorte, há-os também com talento, com velocidade, com paciência, com força, com técnica, com garra ou com inteligência. Há também quem ganhe porque reúne várias destas características enumeradas e até lhes junte outras que agora não me apeteceu escrever porque estou a meio da minha sande de panado. Iummy.
Eu lembro-me que, dantes, o Benfica entrava em campo e, logo nesse momento, uma ansiedade agradável deixava-me algures entre o agitado e o feliz: íamos "ganhar". Aquilo era mesmo assim: o Benfica ia jogar, logo, o Benfica ia ganhar. Era uma questão de filosofia, de mentalidade, de sentimento. Quem ostentava a Digníssima sabia que a missão era essa, só essa, sempre essa. E não se duvidava nunca. Nem quando a conjuntura era adversa ou a tarde era de chuva ou o Silvino ia à baliza.
Entretanto, um homem conseguiu, com um único golpe, aniquilar esse espírito, essa mística, esse "sentir" à Benfica. Não, não me refiro ao Corleone do Douro. Isso são outros quinhentos - ou quinhentinhos. O pior adversário é aquele que nos envenena, por dentro do sistema, infiltrado e conhecedor do mal que faz. Sim, falo do Artur Jorge. E já mencionei esse nome uma vez, que é coisa mais que bastante para um texto só. Foi esse o homem que tratou de acabar com o "ganhar" no Benfica.
Desde então a recuperação tem sido lenta - quando existe, porque os retrocessos têm sido vários. Confiei eu, há uns tempos atrás, que o tão gozado Luís Filipe Vieira, com os seus maus modos e uma soberba de coitado, à chico-esperto da província, poderia vir endireitar a coisa, devolver esse carácter vencedor ao nosso Benfica. Os primeiros tempos mostraram um homem de apostas fortes e ideias fixas, se bem que anunciadas em palavras trôpegas e timings duvidosos - mas o que conta é sempre a ideia. Vou abreviar que já me doem as pontas dos dedos; estive de férias e habituei-me à frescura dos copos de caipirinha, pelo que o teclado é hoje uma espécie de porco-espinho para a minha delicada digitália. Chegamos ao dia de hoje. E sou obrigado a concluir uma coisa: enganei-me. Afinal, Vieira não sabe o que é isso do "ganhar" benfiquista. Viu na televisão, leu nos jornais, ouviu na rádio que o Benfica era uma "instituição" grandiosa. Mas nunca descobriu porquê. Não sabe, não percebe. Provavelmente, nunca experimentou uma tarde solarenga na claridade das bancadas da antiga Luz a ver o luxo sobre a relva e a sentir que o domingo fora domingamente cumprido, depois de se superar mais um adversário com a certeza absoluta de que nunca o desfecho poderia ter sido outro. Vieira fala muito mas, espremido, diz muito pouco. Diz que somos grandes, blablabla, que o plantel é "chelente", blablabla, campeões "ouropeus", blablabla. Enquanto isso, trata o Benfica como uma "instituição", exige respeito, pede paciência, solicita compreensão e apregoa vitórias que ninguém vê já vai para uma "porrada" de anos - para falar o mesmo dialecto que o "perzidente". A verdade é que a equipa entra em campo e o meu maior desejo é que não se assista a uma humilhação. Depois, e com alguma humildade e a minha típica falta de coluna vertebral, faço-me católico e peço aos santos, aos anjinhos, aos arcanjos, a todas as nossas senhoras de que me lembro - desde o Socorro à Graça, de Fátima a Lourdes, da Conceição à Encarnação - que, por favor, milagre ou outra artimanha qualquer, me deixe ver o Benfica ganhar, só mais uma vez, para que não me esqueça dessa sensação magnífica que é vencer. Ora, Vieira não saberá do que falo, evidentemente. Ele acha que isto de chegar às vitórias é apenas a conjugação de uns factores que, não sendo aleatórios, acabam por ser meio matemáticos. Dependem da soma de umas quantas coisas ou da mistura das mesmas, numa espécie de equação que vai assim: compra-se um avançado caro, junta-se-lhe um treinador novo, acrescenta-se meia-dúzia de reforços, manda-se dois berros no balneário, et voilá!, ganha-se. Vieira não sabe que isto é um exercício um pouco estúpido. Desconhece que a vitória começa na cabeça dos homens e que depois se alastra, convictamente, pelos sentimentos, pelo corpo, pela energia, e que desemboca, muitas vezes, em lágrimas de alegria, em euforias à flor da pele, em felicidade. Vieira, se pudesse, comprava uma máquina de ganhar lá p'rá "instituição" e pronto.

12 Comments:

At 10:20 PM, Blogger ardinario said...

Como benfiquista, n�o sei como tiveste coragem de escrever um texto destes.
� tudo verdade, mas porra... pass�-lo para o papel, para o ecran, para todo o sempre... isso nunca!
Mas � tudo verdade. Foste at� capaz de baixar ainda mais a minha moral para as pr�ximas �pocas.
Para a pr�xima avisa.

 
At 12:06 AM, Blogger Férenc Meszaros said...

Palminhas, palminhas. Grande post.

Se há algo que une Benfiquistas e Sportinguistas é precisamente o ódio pelo Artur Jorge. Depois de um post destes, vamos esquecer por momentos as nossas divergências, vamos dar as mãos e vamos ler em voz alta este bonito poema:

Fado Artur

I
O braço que indica
A voz que grita
Insistindo na orientaçao

O braço que cai
A voz que se esvai
Consumida p´la resignaçao

Resultado repetido
Jogo perdido
A equipa foi humilhada

O Sócio que insulta
E o rival que exulta
A cada jornada

II

Mas até há um tempo
Num passado recente
Era até respeitado

Treinador de sucesso
De bigode espesso
Farfalhudo e aparado

Treinou campeoes
Franceses, dragoes
Era ídolo no Norte

Mas fez-se poeta
E a conversa da treta
Levou-lhe a sorte

III
O braço ainda indica
A voz ainda grita
Ainda insiste na orientaçao

O braço sempre cai
A voz sempre se esvai
Consumida p´la resignaçao

E nesta intimidade
Só me sai a verdade
Vou-lhes revelar o que sinto

É um povo que se deleita
Pois justiça foi feita :
Obrigado, Sá Pinto.

Já está. Podemos voltar ás divergências...

 
At 2:26 PM, Blogger Diego Armés said...

Caro Ardinário, é precisamente por ser BENFIQUISTA que escrevi o texto.

 
At 4:26 PM, Blogger Helena Henriques said...

Eu sempre disse isso, finalmente alguém chega a essa conclusão.

 
At 5:32 PM, Blogger Metralha said...

Ui, tanta lucidez!

Calma que ainda és confundido com um tixa.

PS: confesso que a palavra TIXA me irrita solenemente.

 
At 5:51 PM, Blogger Diego Armés said...

Se eu te chamar TIXA várias vezes, enrevas-te? Prometes?

 
At 5:51 PM, Blogger Diego Armés said...

E-n-e-r-v-a-s--t-e.

 
At 10:42 PM, Blogger Bulhão Pato said...

O texto está muito bom, é uma excelente peça de ficção. Mas alguém - com menos de 60 anos - se lembra do Benfica partir para um jogo com a segurança de que o ia ganhar??? Quando?
Por favor, não mencionem o tempo do Carlos Manuel & Diamantino porque eu não posso rir muito.
O médico diz que me faz mal.

Certezas, certezas, temos nós. Vamos sempre p'ró campo com a certeza de que, mais minuto menos minuto, nos vão gamar.

 
At 10:43 PM, Blogger Bulhão Pato said...

A propósito: brilhante, Férenc!

Com tua autorização, vou gravar a criação numa T-shirt.

 
At 2:01 PM, Blogger Diego Armés said...

Claro. Já cá faltava um representante da Coitadinho's Team...

 
At 3:23 PM, Blogger ardinario said...

Bulhão, esqueces-te dos célebres "15 minutos à Benfica", mais que suficientes para ganhar qualquer jogo. Como se comprovou ontem, a expressão continua a fazer sentido, com o mesmo protagonista, mas os papeis inverteram-se.

 
At 3:24 PM, Blogger ardinario said...

ah, e já agora... aquele burro lá em baixo está-me a partir todo :)

 

Post a Comment

<< Home