Jantar no indiano
A minha miúda gosta de comida indiana. Ali para os lados da minha casa há um restaurante goês, o que para o palato luso resulta no mesmo – as cenas sabem a caril e são picantes, o arroz é basmathi e os pratos na ementa têm números e anotações (“medium hot”, “hot” e “very hot!”).
Eu não falo muito de bola com a minha miúda. Lamentavelmente – e isto custa-me um pouco admitir – é do sportém. Não que ela ligue ao futebol. Nada por aí além. Mas quando no ano passado fomos eliminados da taça pelos mijadinhos (ainda estou para saber o que aconteceu ali), mandou-me várias mensagens em que demonstrava possuir, afinal e em segredo, amplas noções de sportinguismo (nunca esquecerei a frase “vais ter de te ajoelhar, eu subjuguei-te”).
Estávamos, eu e ela, de volta da carta de vinhos do restaurante goês - as opções eram escassas e absolutamente sobrevalorizadas: Monte Velho a 12 euros ou Periquita a 9?! Valha-me Shiva... – quando escutámos o gerente e o cozinheiro a falar sobre o Benfica. “Quero Periquita”, disse ela “é tão mau como o outro e é mais barato”. As mulheres são pragmáticas. “Quiquéfrô tem culpa... não mexe bem equipa. Equipa não tem... estratégia. Ataque, pouco. Defensa, fraco. Médio campistas, só um joga, outros olha” disse o cozinheiro, ao que o gerente replicou, num português mais de Lisboa do que de Goa “e que culpa tem o Quiquer que uns joguem e outros olhem? Olha que essa é boa...” O treinador do Benfica devia ser mulher. Os jogadores necessitam de ensinamentos pragmáticos – e, sobretudo, que os ensinem a ser pragmáticos. “Era uma de Periquita, por favor”. As mulheres são muito persuasivas quando querem. Explicam-se muito bem. “O Quiquer é o vosso treinador, não é?” “É, bebé... Quique. Quique Flores” “Hum... Quiquer é um nome meio ridículo” “Quique... De Henrique. É diminutivo...” “Onde é que já se viu um treinador com nome artístico que é diminutivo...” As mulheres são muito cruéis quando podem. “Oh bebé... tens o caso do Mourinho...” “O Mourinho?... É diminutivo?” “Então... claro.... Mour... inho. O nome é Mouro” “Ah... não sabia” As mulheres são domesticáveis. À primeira, pode não parecer... É uma questão de tacto e de timing. Mas, sobretudo, de savoir faire. Ficou convencida. “Más Quiquéfrô escolhe jogador, logo, culpa de ele...” A minha miúda aqui olhou-me e sorriu, como quem diz “faz sentido”. E o gerente “não se pode culpá-lo de tudo... Tens as arbitragens, umas quantas foram um roubo... Tens gajos que falham penalties... Tens gajos que dão frangos... Há imponderáveis dentro das quatro linhas, Rasheed”. O gerente rejubilou com a aplicação certeira do termo académico “imponderáveis”. E repetiu-se, num tom mais ligeiro e um pouco menos sonoro “no futebol... é isto... há muito imponderável...”. Alheou-se em seguida. Pôs-se a fazer contas. E eu “vês, bebé... há imponderáveis...” Ela riu. Eu sorri. “Aquele Rasheed faz-me lembrar o Boloposte...” Ela não sabe quem é o Boloposte. Por isso, franziu a expressão e questionou “Quem?” “O Boloposte... é um gajo que escreve num... blogue... enfim” “Tu e os blogues... até de bola tens um blogue?” “Tenho dois...” Não comentou. Acho que fingiu não ouvir. “Im... pon... dérávér...” repetia Rasheed enquanto cortava um pimento “Im... pon... dérávér...”
10 Comments:
Curiosamente, também a minha miúda é desse clube... Deve ser cena de gaja. Para além disso também não liga por aí além ao futebol: nem consegue dizer o nome de 4 jogadores do actual plantel - vá lá um gajo compreender estas coisas.
Já quanto ao Monte Velho, existem sítios onde custa mais. No Maxime, por exemplo - daí provavelmente a minha mesa não ter oferecido o copo pedido na sexta-feira ;) A propósito, nice one.
Também há um Rasheed num quiosque ao pé de minha casa, com dúvidas benfiquistas semelhantes que costuma partilhar comigo quando por lá passo sozinho. Sim, porque se por acaso lá vou acompanhado por alguém mais esverdeado ele não quer ouvir de mais nada: "Já levaram, dois-zero no primeiro jogo! E ainda vão levar mais, depois!". Grande Rasheed.
Se eu fosse o Rui Costa, ias dormir ao Centro de Estágios do Seixal... ouves as cantigas, lês os textos e ainda vês os concertos... e és incapaz de partilhar um copo de Monte Velho. Não se admite...
E sou tão old-fashioned que até compro o disco ;) Mas também, e assim como que em jeito de corte defeituoso do Binya, eu estava na mesma mesa da garrafa mas não tinha direito à dita. Mas sim, mais pelo final da noite poder-se-ia ter justificado a partilha de uma imperial, aí mea culpa. Fica, e para continuar na onda de estrangeirismos em que vai o comentário, quiçà para o Bacalhoeiro...
E entretanto, o Rui Costa pode ser novo no lugar mas já reza por aí a "lenda" que é capaz de pior do que fazê-los dormir no Seixal - diz-se que se não tivéssemos ido conquistar o berço da Nação teria sido uma longa caminhada até Lisboa. Pelos vistos também é old-fashioned, o Maestro.
Já ouvi a mesma história, sim senhor.
Quanto ao CD, espero que o balúrdio que pagaste tenha valido a pena - cent by cent. Deves-me uma no Bacalhoeiro. Senão, vais a pé para casa.
Em beleza. Depois de um post desnecessário e demagogo, um dos bons. Venham mais destes.
E para achares Monte Velho mau, é porque nunca te passou nenhum vinho da SIVIPA pelo estreito. Enfim, gente com sorte...
Relativamente ao CD, venham mais balúrdios destes que não me importo nada.
E no Bacalhoeiro farei então por tentar apagar a falha da minha mesa do Maxime. Só não sei é se uma será o suficiente, mas na altura se verá.
Se for no fim do concerto, qualquer gotinha calha bem... Até pode ser Monte Velho - Férenc, quem disse que era mau foi Ela. Por mim, aquilo até se bebe.
A minha, há um ano atrás, nem gostava de bola nem de vinho. Agora já acha que o Terras d´el Rey é o néctar dos deuses e que o Quique sabe mexer na equipa.
Por mim, tudo bem. Em bola e vinho, sou machista. E sai-me mais barato. Tanto a pagar pouco nos restaurantes como a dar-me ao trabalho de lhe explicar que o Quique, afinal, é só rosas.
Guitars, vais actuar em Braga para a semana, right? Acho que vou lá ver :)
Braga é no fim. Antes disso, ainda há a Maia. E antes disso, uma misteriosa aparição na cidade no Porto. Há que enervar as gentes do Norte com a minha presença.
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