Monday, June 12, 2006

O Nacional-Ronaldismo


ou

um desabafo desolado sobre o advento do Futebol-Pimba


Tudo começou com bandeirinhas nas janelas, acho eu. Uma ideia triste, mas, ainda assim, tolerável. Hoje em dia disputa-se a paternidade do rasgo, com o professor Marcelo enchendo o peito "fui eu que sugeri" e o sargentão Felipão a não lhe ligar nenhuma mas, pelo sim, pelo não, a acrescentar "eu queria pedir novamente"... E as bandeiras lá estão, agora em menor número. Mesmo assim nas lojas dos chineses diz que tem sido uma azáfama.
A verdade é que dantes o futebol era tratado com desdém e menosprezo, fruto talvez da incompreensão de donas de casa ignorantes e intelectuais meio analfabetos com traumas acumulados nas aulas de educação física - enfim, por gente que tem que pôr as culpas de uma coisa qualquer em qualquer coisa e que anda sempre a dizer "por isto é que este país está como está" e uma pessoa fica a pensar "e está como?" e se se pergunta não nos sabem responder, só sabem que a culpa "é deles" ou "do governo" ou, em último caso, "é do futebol". Dá para fazer variações com: "da juventude", na época das manifestações dos estudantes, queimas das fitas e praxes académicas; "dos drogados", durante a época dos festivais de verão; "da América", em qualquer altura em que a culpa não seja "dos comunistas"; e "dos imigrantes" (ou, em casos específicos, "dos pretos", "dos brasileiros" e "desses do leste"). Mas nas épocas em que o futebol estava na ordem do dia - como acontecia, por exemplo, quando se disputava um campeonato do Mundo -, a culpa era, evidentemente, "do futebol".
Ora, eu disse que isto começou com a treta das bandeirinhas mas isso não é bem assim. A raiz do mal está enterrada mais lá no fundo. Eu acho que isto começou tudo com aquela história da "geração de ouro". Ou seja, a culpa é dos putos que ganharam em Riade. A estes juntaram-se os outros que, dois anos mais tarde, repetiram a façanha em Lisboa. E isto dá que há alguns que são duplamente culpados, porque acumularam. Como não podia deixar de ser, João Vieira Pinto é um deles - onde quer que haja asneira, JVP está associado (Nota do Redactor: tirando aquela noite em Maio de 1994 e, concedo, o talento demonstrado na manobra com a Marisa Cruz). Porém, retroceder tanto seria praticamente rememorar toda a história recente do futebol tuga. E a gente aqui não quer isso. Isto é o Dianabol, caramba! Aqui a gente sabe a história do tugabol de trás para a frente e, quando, por lapso, não sabe, dá-se um jeito, mete-se uma cunha, uma "mão de deus", uma "mão de Vata", um calcanhar de Madjer, um dedo de Major... Já estou a desconversar. Íamos na origem deste fenómeno. Que fenómeno? O futebol-pimba, obviamente.
Dizia eu que dantes o futebol era tratado aos pontapés. Digo-o apenas para obter um trocadilho pobre e sem qualquer espécie de brilho ou talento, enfim. Mas, no fundo, tenho razão. Quem gostava de bola era visto como um bronco. Nessa altura, quem era do Sportém não andava aí de peito inchado a dizer que "somos diferentes, somos um clube diferente", armado em snob. Quem era do Sportém tinha tanta vergonha de o dizer ao pé de gente com grau académico como ainda hoje Soares Franco tem vergonha de o afirmar quando não está com o grau alcoólico. Gostar de bola era visto como uma atitude mental menor. Os intelectuais que degustavam o belo-desporto faziam-no com um certo pudor de "porque aquilo até é giro e tal" - ignorando, por exemplo, que um dos nossos maiores intelectuais era um fervoroso adepto do football de então... falo de Pessoa, claro (é preciso explicar porque também tenho leitores do folcuporto). De resto, o futebol era visto como uma coisa muito popularucha, muito minis e tremoços, muito grunhos aos gritos e 22 parvos a correr atrás de uma bola.
Ao contrário do que possa pensar-se, esta era a melhor forma de elitizar o futebol. Mais: de proteger o futebol. Deste modo, ia à bola quem gostava de bola e só porque gostava de bola. Convinha até que percebesse minimamente do assunto, que soubesse as regras elementares do jogo, o nome dos jogadores, as tácticas que se usavam e quem as ditava. Embora fosse o mais popular dos desportos, o futebol era obrigado a construir-se enquanto fenómeno de massas com o fervor e a sabedoria dos adeptos verdadeiros - isto precisamente porque existia o outro lado da barricada que odiava (temia? não percebia? gostava em segredo? era do Belenenses? riscar o que não interessa) o futebol e tudo quanto lhe estivesse associado.
O que acontece, o que tristemente acontece, é que essa muralha divisória entre o pró e o anti-futebol caiu. Assim mesmo. Já não existem duas fileiras opostas em relação a um mesmo fenómeno. Existe apenas uma massa difícil de qualificar, com características seguramente distintas de indivíduo para indivíduo, até de tribo para tribo, mas com uma atitude comum perante o desporto Rei: este é, no mínimo, "muito giro". Ouve-se, a toda a hora, gente temível - do copinho de leite sem jeito nem para andar à acamada de 180 quilos que aparece no Portugal no Coração, passando pelo primeiro-ministro que, perdoem-me a expressão, tem é ar de coninhas e continuando no presidente da Comissão Europeia que tem tanto jeito para chutar uma bola como eu para calcetaria ou ainda da Dália Madruga que tem um Q.I. equivalente ao de duas cebolas, uma picada e outra pequenina, ao muito repetente professor Marcelo, não esquecendo os já habituées Jorges Gabriéis e Antónios Pedros-Vasconcéis, para não falar nas cartas da Maya (e esta até é das melhorzinhas), das tiradas das Fátimas Lopes, à peixeira do Bulhão ou à florista da Ribeira - dizia eu que toda esta populaça indescritível diz, no mínimo, "ai, eu adoro futebol". E isto mete-me um certo nojo. E, logo a seguir, acrescentam "gosto muito do Cristiano Ronaldo". E depois o jornalista pergunta "então e quem é que vai marcar os golos hoje?" e eles "é o Cristiano Ronaldo" e o jornalista "e quantos é que fica?" e eles "fica cinco a zero" e o jornalista "e quem é que marca para além do Ronaldo?" e eles "err..." e depois riem-se, atrapalhados, porque não sabem o nome de mais nenhum. Já ouviram falar do Figo "aquele que é do Madride, não é?", mas, tirando esse, só sabem o nome do Mourinho "mas esse é treinador, não é?". É, essa acertaram.
Isto até podia não ter mal nenhum. Afinal, também ninguém percebe de política e toda gente nutre ódios e amores por políticos e vai às eleições como se fosse às assembleias gerais para alienar património imobiliário e aos comícios como se fosse ao estádio. Mas acontece que tem mal, sim. Porque suja. O futebol fica encardido. Liga-se a TV e temos três programas simultâneos com a Nicole a cantar músicas à selecção, com o Roberto Leal a cantar o hino nacional, vestido de branco e com sotaque, sei lá, da Covilhã, talvez, o Nuno Graciano a fazer palhaçadas, a Merche Romero a andar para um lado e para o outro e a aparecer na televisão. São velhos e novos, gordos e magros, a maioria deles mal vestidos ou, pior ainda, vestidos de bandeira nacional, agitando-se com o futebol como se algum dia tivessem percebido o fenómeno, como se alguma vez tivessem sentido as entranhas em sobressalto porque só faltam dois dias para um derby, como se alguma vez tivessem chorado uma derrota ou uma vitória juntamente com mais 50 ou 60 mil irmãos num estádio de futebol. Esta gente que come o futebol com os olhos da mesma maneira que come cheeseburgueres no McDonald's, esta gente que compra bandeirinhas como se comprasse verniz para as unhas ou detergente para a máquina, esta gente que quer aparecer na televisão no meio da outra gente igual a ela, a fazer de emplastro a amar, seguramente, muito menos o futebol do que o emplastro ama, esta gente é poluição futeboleira. Gostam é de arraiais e cores e sítios onde vendam a cerveja em copo de plástico, onde toda a gente grite sem saber muito bem porquê, onde haja música pimba aos gritos num altifalante escusadamente próximo. O tuga typical, que tudo destrói, que tudo corrói, é um bicho que se introduziu no futebol. E agora uma pessoa se tem o azar de deixar escapar publicamente que "este Ronaldo é um merdas que só joga para o próprio umbigo" está sujeita a ser excomungada, linchada, violada e, no fim de tudo, enxovalhada porque a turba nacional-ronaldista está aí para governar. Com mão de ferro. Viva o futebol pimba...

15 Comments:

At 6:19 PM, Anonymous Anonymous said...

Pois é bem verdade. Depois, entrevistam o próprio que, possivelmente afectado pela parvoeira geral, diz que está na Alemanha para mostrar o que vale. Não Cristiano, estás aí para ajudar a equipa, logo sais ou entras quando for conveniente ao colectivo - e esta conveniência é determinada pelo seleccionador, a tua opinião fica para ti, e escusas de fazer fitas. Ah, os adversários naturalmente têm como tarefa não te deixar jogar, e só mais uma coisa, na minha opinião foste bem substituido.

PS. Desculpa guitarrista, isto estava-me entalado. Se quiseres retirar, estás à vontade, o blog é teu.

 
At 6:32 PM, Blogger Diego Armés said...

Ora essa! Estamos de acordo como se fôssemos do mesmo clube!

 
At 7:15 PM, Blogger Pedro said...

Foda-se!!!
Post do caralho!!! Não me posso esquecer dele para o melhor do ano.
Disseste tudo.
É só merda impinginda pelos média e os carneirinhos todos contentes a dizerem amén...

 
At 11:51 PM, Blogger Boabdil said...

estás a destilar veneno puro!! eu gosto!! é enforca-los a todos!

quem nao sabe as variantes do 4-4-2 nao sabe ver bola! nao merece ver bola.

P.S.- e quantos destes algumas vez jogaram um misero jogo de solteiros-casados? ou um jogo contra a reparticao do 3o bairro fiscal? a essencia do futebol.

 
At 3:04 PM, Blogger rsa said...

Completamente de acordo sinceramente eu já nem consigo ouvir ler e ver nada sobre o mundial pois toda a gente têm opinião todos são experts há e não podemos criticar senão...
Salva-se os jogos porque o resto ..
Que PORTUGAl faça um bom campeonato e que ganhe o melhor!!

 
At 3:59 PM, Blogger B said...

Eu até gosto das bandeiras.

 
At 4:00 PM, Blogger B said...

Para limpar o cú.

 
At 2:13 PM, Blogger B said...

Porco era se não limpasse.

 
At 2:22 PM, Blogger Férenc Meszaros said...

Belo post Guitarrista.

Há uns dias cometi o erro de dizer que gostava mais de ver um jogo do Sporting do que um jogo da selecção. Foi por muito pouco que escapei à castração.

No meio da euforia, gosto especialmente quando alguém diz que 'de futebol só gosto de ver a selecção porque é Portugal'. Apetece-me escarrapachar-lhes um disco da Maria João Pires e perguntar se gostam dos concertos para piano de Schuman ou um livro do António Damásio e perguntar se vibram com a investigação sobre disfunções do sistema nervoso. Não são também dignos representantes do País? Por que raio há-de ser a selecção de futebol o elemento mais exacerbador do orgulho nacional? Tu respondeste, Guitarrista: Porque a selecção é ainda mais Pop do que já é o futebol. E por isso já não é futebol, é a adulteração do futebol, um novo ópio para o povo. E já vemos análises sobre as possibilidades 'reais' da selecção na 'Nova Gente', lado a lado com as fotografias íntimas do Ronaldo com a Merche Romero. Isto não é futebol.

 
At 3:10 PM, Blogger Diego Armés said...

Eu acho que devia ser pago para escrever textos destes...

 
At 10:49 PM, Blogger Bulhão Pato said...

Já lá vai uma semana e nada de posts novos. O post está giro e já me ri várias vezes. Chamem-me tolo, mas à sexta vez que se lê, começa a perder alguma piada.
Como leitor prestável, sugiro até um tópico de reflexão: que bem que a selecção se dá sempre que começa um jogo sem benfiquistas no onze titular. Vide Irão'2006...
Saudações desportivas...

 
At 3:11 PM, Blogger Diego Armés said...

Não podia andar para a frente sem o teu comentário, Bulhão. Estive uma semana à espera.

 
At 6:52 PM, Anonymous Anonymous said...

Então, mãos à obra - que o tema, esse é bom. :)

 
At 1:01 AM, Anonymous Anonymous said...

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At 7:15 AM, Anonymous Anonymous said...

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