O enigma Ronaldo
Nunca sei se gosto do Cristiano Ronaldo ou se o detesto. Isto, talvez porque nunca consigo perceber se ele joga demasiado a sério em jogos a brincar ou demasiado a brincar em jogos a sério – e nem sei se isso é bom ou se é mau. O que é certo é que, em cerca de três anos de futebol ao mais alto nível (supondo que os tempos que passou no Sporting se podem incluir neste “alto nível”), ainda não tenho sobre Ronaldo uma opinião formada e consistente.
Longe vão os tempos de Figo, Rui Costa, Fernando Couto e Paulo Sousa, jogadores sobre os quais, pesando as qualidades (imensas e brilhantes) e os defeitos (raros e pouco significativos), não hesitava em exclamar “epá, este gajo enche-me as medidas – é um jogador de topo!” Com Ronaldo não se passa o mesmo, longe disso.
Mas o problema da avaliação do craque madeirense tem contornos quase maquiavélicos. Por um lado, é praticamente uma ofensa dizer que “Ronaldo não é um jogador de topo”. Por outro, é talvez insensato classificá-lo já como tal. E isto tem o seu quê de paradoxal: afinal, em que é que ficamos? É ou não é? Não o sei dizer.
Tão depressa vejo Ronaldo pegar na bola e furar, com rapidez, técnica e elegância, por entre três sauditas como vejo o amigado da Merche Romero desistir de lances fáceis, baixar os braços e a cabeça ou protestar com companheiros sem saber muito bem por quê. Que ele tem características que o podem tornar craque, não duvido. Mas que possui tiques que o podem transformar em flop, também não será mentira. Dizer que ele tem pés cheios de fantasia, não será exagero. Mas acrescentar que, ao nível da personalidade, ainda lhe falta a grandeza que distingue os maiores dos razoáveis, também não é despropositado.
Ronaldo equilibra-se num ponto muito estranho: um passo em frente e será maior que Figo; um passo atrás ou um deslize e arrisca-se a descer mais baixo que Dani. E o que mais me intriga é a fonte deste posicionamento ambíguo. Donde nasce esta vocação de Ronaldo para me deixar na dúvida?
É neste ponto que eu tendo a ser optimista. É por esta altura que digo para mim “calma, Guitarrista. Isto é típico dos génios”. Talvez seja. A efervescência e o temperamento que faz deste madeirense esguio e irrequieto um caso difícil de prever é a mesma que o torna espontâneo na hora do drible, no momento do remate ou no arranque para um sprint desenfreado. Talvez Ronaldo seja mesmo isso: um génio. Um jogador à parte, que nunca poderá reger-se pela frieza de um Figo ou a regularidade de um Paulo Sousa para se tornar grande. Talvez a sua grandeza seja precisamente essa: nunca ninguém sabe o que vai sair dali – daquela cabeça ou daqueles pés. Se assim for, estamos perante um caso sério de prodígio puro.
Numa época em que o futebol se joga mais de Zidane do que de Maradona, é estranho encontrarem-se jogadores como Ronaldo ou Ronaldinho Gaúcho. São espécimes raros que podem oferecer ao público tanto o que o futebol tem de mais fantástico como de mais trágico. Para quem não tenha percebido a ideia, tentarei dar uma imagem: o penalty de Hélder Postiga contra a Inglaterra, no Euro 2004 – entrou e foi fantástico; mas… e se o guarda-redes tivesse defendido?
9 Comments:
Conto várias vezes esta história.
Apenas porque me parece que identifica bem a mentalidade do bicho.
Sporttv (em directo). 1º treino de preparação para o Euro 04 com a equipa completa. 2ª fase do estágio (já com os jogadores do FC Porco, que depois de terem vencido a LC tiveram direito a uns dias de férias).
Equipas:
Ricardo; P. Ferreira, Couto, Andrade, Rui Jorge; Figo, Costinha, Maniche, Simão; Rui Costa; Pauleta.
Quim; Miguel, Carvalho, Beto, N. Valente; Tiago, Petit, Deco; Ronaldo, Postiga, Nuno Gomes.
(esta equipa já não sei se seria exactamente assim, mas não interessa para o caso - era bem possível que fosse)
"Titulares" contra "reservas", portanto.
Sargentão ordena aquecimento. Sargentão silva para o inicio da contenda (vulgo "peladinha").
Ao cronómetro:
- 1 segundo de jogo. Ronaldo quer a bola e levanta o braço.
- 2 segundos. Ronaldo quer a bola e começa a ficar aborrecido por não lha darem.
- 3 segundos. Finalmente, alguém dá-lhe a bola. (ainda no mesmo segundo) Ronaldo arranca, encara Paulo Ferreira (a passear, depois de festas/champanhe/férias) que, curiosamente, não o chega a encarar, cruzamento, Postiga falha na boca do gol.
- 10 segundos. Ronaldo padece de uma artrite que não o deixa baixar o braço. Ele quer a bola - e o Ferreira pede para não lhe passarem a dita. "Por favor, pá", pensava ele.
- 11 segundos. Deco não tem respeito por ninguém - e vai daí mete o balão no miúdo. Ele mostra os dentes e vruuum - Ferreira nas covas, linha de fundo, cruzamento, golo. Desta vez, Postiga não falha.
Enquanto eu vi o treino foi sempre isto. Sempre estonteante, sempre mortífero, sempre "diferente" dos outros, sempre 3 velocidades acima dos demais - um Ferrari.
Percebes a ideia: o miúdo, enquanto não foi titular, não descansou.
Ele é um portento mental, na minha opinião. E isso é meio génio. O outro meio é o talento - e esse, bem, esse está à vista de todos.
Ronaldo é génio de corpo e alma - o problema é que os génios também se abatem, porventura serão até os mais fáceis de estragar.
E ele, como é evidente, não está livre de nada e, por isso, percebo a tua dúvida.
Daí a minha dúvida inicial: nunca sei se joga demasiado a sério a brincar ou se brinca demasiado quando é para jogar a sério...
Mas a história ilustra bem a imagem que tenho dele.
Acho que esplananste bem a questão com o passo em frente e o atrás, mas acho sinceramente que am influência de uma mulher mais madura como a Merche vai ser uma boa influência para ele crescer.
:)
Agora estiveste bem, Apre. Com a Merche até eu crescia. Até deixava de escrever parvoíces sobre. bola se fosse preciso...
É muito adolescente, para onde vai evoluir ainda é uma incógnita. Quanto à relação com a Merche R, Apre, pode-lhe dar para, como dizem os brasileiros, julgar que é o rei da cocada preta e está tudo estragado.
Ufff... fico feliz por ver que não sou o único com dúvidas sobre o jovem Cristiano. Felizmente os comentadores do Dianabol têm mais bom senso do que os comentadores de futebol, no geral. Especialmente os da RTP, que guincham, pulam e arrancam os próprios cabelos de cada vez que o rapaz toca na bola.
Venho aqui lançar alguma sensatez no debate.
Para que conste, eu arranco os meus próprios cabelos às mãos cheias de cada vez que vejo o Ronaldo tocar na bola. Talvez não seja prudente, até porque estou a ficar careca... Estarão os fenómenos associados?
Mas, voltando ao tema, já são tão poucos os futebolistas que geram esse gozo genuíno, esse prazer por antecipação. Dele, espero tudo.
Sou fã incondicional do Ronaldo... e da Merche.
Obrigado pelas tuas palavras acerca do Rio Ave-Belenenses Guitarrista, o concenso é o maior dos tédios.
Se o Belenenses vai descer de divisão ou não, no final do campeonato saberemos.
Eu cá me fico com as vantagens de ser Belenenses...
Entretanto boa sorte para o teu Slb em Liverpool.
Sorte?!... Apre, se ficaste chateado, dizias. Escusavas de ser mesquinho... Desde quando é que o Glorioso precisa de sorte em Liverpool?
Já quanto ao Ronaldo, Bulhão, nota que também eu admiro o seu jogo. Aliás, ainda este fim-de-semana voltou a fazer estragos. Mas vamos ver, o rapaz ainda é tão novo... Para bem dele - e, já agora, da selecção nacional - só espero que faça bom uso do talento que tem.
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