Thursday, August 19, 2010

Chega de saudade

Há jogadores que valem o seu peso em ouro. César Peixoto vale o seu peso noutra substância. Sim, em merda. Cada precioso graminha.
Ah!... Vocês não imaginam as saudades que eu tinha de escrever um texto a enfiar os dedos escarafunchantes nas feridas do Grande Benfica. A época passada foi um tédio: tudo me encantava, era uma beleza de futebol, ganhávamos a toda a gente… Saíamos da Luz após um 4 a 0, encolhíamos os ombros e dizíamos uns aos outros “ah pá, caga nisso… para a semana corre melhor”. Esta situação não só cria maus hábitos como estabelece inibições e retira a inspiração literária. O mau, o negativo, a falha, o erro, a queda, a lama no rosto: é aí que a inspiração nasce. É na poça viscosa e húmida que germinam as grandes ideias sobre o mundo da bola. Não é no palanque onde se recebem as medalhas de ouro – se tudo tivesse estado sempre bem, ainda hoje jogávamos em WM. E, se calhar, até nem era mal pensado, já que não temos alas.
Voltemos ao busílis – não é o pobre do Peixoto, aquilo foi apenas uma rentrée de pé em riste: qualquer adepto de qualquer clube do mundo pode fazer grandes e vaidosos textos, cheios de brilho e de humor, acerca das suas vitórias e conquistas. De qualquer clube do mundo que não o Benfica, como é evidente. Um benfiquista orgulhoso é, em tripeiro, “um caralho dum filhadaputa arrogante com uma espéce de rabanete enfiado na peida”; em campograndês, “um tipo insuportável”. Isto é uma situação chata. Um benfiquista só é um gajo porreiro quando perde e, mais ainda, quando tem poder de encaixe para as suas derrotas (por mais imerecidas e manipuladas que, escutada, alegada e apenas supostamente, possam ser). Portanto, um benfiquista vencedor é um benfiquista a quem é concedido um único direito na civilização: o de se remeter ao silêncio, cabisbaixo como se merecesse uma descompostura por causa disso, de ganhar – onde é que já se viu? Um benfiquista ganhar, esta agora…
Ora, eu sou muito benfiquista, sim senhor, e quase nada me dá mais prazer do que ganhar. Mas não me lixem, ficar um ano em silêncio é uma coisa que me custa. Portanto, e antes que o Jesus descubra como pôr aquela gente a golear de novo, vou aqui aproveitar esta pequena clareira de derrotas. Vou criticar as opções tácticas, claro está; e as técnicas; e o Roberto, que, usando a currência do Peixoto, vale metade do seu próprio peso.
Que bem que isto me sabe. Desde Setembro passado que não escrevia assim, tão leve.
Ora, a táctica. Há aqui certos detalhes que importa relembrar ao Jorge Jesus. Como diria Freitas Lobo, a táctica não é uma fórmula; é uma conjuntura, um sistema de posicionamentos, gestos e atitudes que, dispostos de determinada forma, à partida, permitem que uma equipa desenvolva o seu jogo (ou evite ou contorne o do adversário). Ora, o jogo da bola envolve muitos elementos, onze dos quais altamente voláteis, uma vez que são humanos; outros 11 que são esquivos, mentirosos, repugnantes, falsos como Judas!, uns assassinos e, algumas vezes, desumanos; mais três que são pagos pelo lado negro da humanidade; e a bola que, conforme o vento ou a chuva, o sol, o frio ou o calor, rola ora assim, ora assado, esvoaça mais para aqui ou mais para ali, escorrega desta mão ou das duas do Roberto. O que eu queria dizer ao Jorge Jesus é que a táctica do 4-4-2 não é melhor nem pior do que a do 4-3-3 de uma forma absoluta. Contudo, tendo em conta a actual conjuntura, há que identificar e analisar as pessoas de que dispõe o alourado mister. Depois disso, optar pelos jogadores que permitam à equipa uma maior robustez. Depois disso, adaptar o esquema táctico, o desenho de jogo, a estratégia (chamem-lhe o que quiserem) aos onze que subirem ao relvado. E, não menos importante: antes de tudo isso, pintar o cabelo de grisalho e meter outro gajo à baliza. O ano passado deu sorte.