Friday, May 22, 2009

O Medo da orfandade

Confesso que estou já cansado das eleições do Sporting. Ou melhor, estou cansado de candidatos, putativos candidatos, pseudo-candidatos e candidatos a candidatos. Até parece que o Sporting é um clube plural, com muitas opções de valor para assumir a Presidência, com muita gente que se preocupa como futuro do clube. Como passa pela cabeça de alguém falar em afastamento entre o clube e os sócios e adeptos se praticamente todos eles manifestaram em algum jantar, numa reunião de negócios no Elefante Branco ou numa ida ao supermercado o interesse em se candidatarem à Presidência do Clube?


A patética novela das conversinhas às escondidas, dos almocinhos conspirativos, do apoio-a-100%-o-Sô-Doutor-com-três-nomes-mas-se-ele-não-se-candidatar-então-assumo-eu-a-candidatura-porque-também-tenho-três-nomes-e-sou-muito-sportinguista-e-o-sporting-não-pode-ficar-nas-mãos-de-gente-pouco-séria-e-sem-três-nomes-a-não-ser-que-apareça-outro-Sô-Soutor-que-também-seja-sério-e-também-tenha-três-nomes serve apenas para branquear uma realidade indesmentível: O Sporting é uma monarquia.


Vamos lá ver: Pessoalmente, o sistema monárquico não me chateia nada: É certinho, não traz surpresas imprevistas e se o descendente directo estiver com dúvidas se está preparado para subir ao trono, acena-se com 800 mil euros por ano para ver se é de ferro. O sucessor está definido dentro de uma linhagem e é preparado entre jogos de pólo, idas à manicure e MBA’s no estrangeiro para, um dia, ser ele a deixar o Paulo Bento sozinho contra o mundo enquanto, desde a sua cadeira de encosto reforçado e com costas 2 metros acima da sua cabeça, esfrega as suas mãos de contente por mais um 2º lugar no campeonato. E o povo gosta da monarquia. Não porque seja boa mas porque o povo ‘conhece’ quem ocupa o trono: Conheceu o rei deposto, e o rei antes dele que o pôs lá e que por sua vez já tinha sido posto por outro rei que tinha sido posto por outro rei que deu início à dinastia. Que consta que até era um tipo porreiro. E o sucessor ao trono aparece na televisão, é simpático, parece bem cheiroso. ‘Nós conhecemo-lo, não pode ser má pessoa, muito menos incompetente’. E Chega. No Sporting de hoje não são os programas ou as ideias que definem o futuro: É o medo da orfandade.


Amado de Freitas, Jorge Gonçalves e (em menor escala) Sousa Cintra ainda arrepiam o imaginário de qualquer sportinguista sem Alzheimer. O projecto Roquette (ainda que no início com Santana Lopes a dar a cara - outro conhecido, simpático e, por isso, nunca incompetente) representou, então, tudo o que os anteriores não tinham sido: Trouxe palavras de rigor, a ideia de um projecto que parecia fazer sentido liderado por pessoas ‘conhecidas’ cuja descendência dos fundadores do Sporting os colocava acima de qualquer suspeita ética e de competência. E, importante, permitia o regresso a umas origens de chapéu de coco e bengala de pega de prata. E todos se sentiram confortáveis e protegidos por gente bem-falante, com pedigree e nome na praça. A confiança actual na para-democrática ‘continuidade’ não está nos resultados financeiros ou desportivos, que não justificam qualquer tipo de entusiasmo. Nem no vigor do Sporting, cuja realidade para além de uma academia que produz talentos em série que a equipa principal não consegue capitalizar é mais difícil de compreender do que uma análise do Freitas Lobo sobre um contra-ataque. A continuidade apenas se justifica pelo medo da mudança e pelo peso que o Projecto Roquette ainda tem no imaginário dos sportinguistas mas já está soterrada num podre sistema de compadrios que não vai ser fácil limpar quando houver necessidade. Enquanto isso, do nosso lado, vamos ajudando a casa real a afincar os calcanhares no chão: protesta-se contra o poder dominante, grita-se em desacordo mas reza-se que a mudança nasça da continuidade. Camuflada de uma democracia que esconde a mesma coroa. Porque já os conhecemos.


PS. Apenas um concelho para o candidato ‘socialista’: Faz uma plástica que pareces o Eduardo Madeira. Isso lixa qualquer projecto à partida. Até os projectos do próprio Eduardo Madeira. Aquele abraço.

Monday, May 11, 2009

O meu Benfica

Como benfiquista que se preze, o Diego é óptimo – diria mesmo excelente – a dizer mal do próprio clube, a apontar o dedo às feridas, aos defeitos, aos podres, às desilusões, às figurinhas, às repetições dos erros, às incapacidades, à mediocridade e à impotência que, desde cerca de 1994 ou 95, vêm caracterizando este clube, em tempos Glorioso.
Ao longo desta época, o Diego tem-se mantido calado, observando, tirando notas, fazendo um intenso e discreto levantamento dos acontecimentos e, com muito esforço, tentando chegar a uma conclusão lógica, racional e sobretudo útil a quem nela quiser apoiar-se de modo a fazer o bem, a recuperar as forças e a reorganizar convenientemente – e à medida da actualidade – este clube, outrora Grande.
Findo o campeonato, e tendo como grande objectivo até ao final da temporada segurar um precioso, honrado, digno e mui honesto 3.º lugar, o Diego decide que é tempo de largar a sua laracha, inspirando-se em 29 anos a olhar os 11 marretas... enfim: 15 anos a olhar os 11 senhores; 14 anos a olhar os 11 marretas, pronto... desde lá de cima do terceiro anel.

O Neo-Benfica

É do domínio do público, em geral, e dos benfiquistas, em particular, que antes de Artur Jorge o grupo de jogadores que existiam ao serviço do Benfica era, por norma, digno de representar o clube; e que, depois de Artur Jorge, raramente de entre as centenas que compunham, todos os anos, o plantel encarnado se encontrava um nome que conseguisse preencher os requisitos mínimos para alinhar na primeira divisão nacional – não fora, durante uns tempos, o respeito institucional que o nome “Benfica” e os equipamentos vermelhos impunham e, estou seguro, as ruas da amargura teriam sido ainda mais profundas. Sim, fossem aquelas camisolas tricolores, como as do Estrela, e teríamos tido a oportunidade de ser campeões ao mesmo tempo que o Porto – eles na primeira, nós na segunda divisão.
Mas não é em Artur Jorge que a desgraça começa. Digamos que a tragédia tem origem no dia em que, habituados os benfiquistas ao destacado palanque de “maior clube português de todos os tempos e para toda a eternidade” surgiu, lá no Norte, um presidente, algures entre o visionário Alberto João Jardim e o homem honrado e de princípios que sempre foi Jesus Gil y Gil. Não estávamos prontos para tanto. Até então, a única coisa semelhante a “rivalidade”, cá na nação, era uma equipa às riscas que, de quatro em quatro anos, teimava em impedir-nos de chegar ao tetra-campeonato – coisa que os portistas repetiram, com insuportável facilidade, ontem, pela segunda vez na sua história. Fernando Martins, que “never saw it coming”, dirigia o clube e erigia a versão final (ainda que apenas provisoriamente definitiva) da Velha Catedral – aqui, “velha” lê-se com aquele significado pesado e notável que as grandes coisas velhas às vezes têm. Aquela tinha. Martins fechou o terceiro anel, mas não construiu muralhas em redor da sala de troféus. Com um país ainda à procura de um rumo, a redefinir as suas conexões políticas, as suas malhas de influências e, pelo meio, a pôr de pé uma nova e potente forma de poder – o autárquico -, o Benfica, opulentamente campeão incontestável e por decreto, deixou-se dormir e ultrapassar. Era o início de uma nova era e os benfiquistas continuavam a acreditar que, com a união do povo e a bênção de um deus benfiquistas, seríamos campeões 3 vezes em cada 4 anos, daqui até 2500, pelo menos. Teria de haver um presidente que, com visão de futuro, construísse um novo estádio só para albergar taças e medalhas.
E, lá por cima, começava a ser fabricada uma nova (velha, diga-se... no sentido que “velha” pode ter quando já é sobejamente conhecida) forma de ganhar. Chegou João Santos à Luz. E ainda ninguém dera pelo sucedido. Isso lá do Porto era só uma fase, como aquela da década de 30 em que ganharam alguns 4 campeonatos. Isso de serem campeões europeus foi puramente acidental. Isso de terem dois ou três craques de nível mundial não passou de sorte na ida ao mercado. Isso de nos levarem a melhor, consecutiva e, por vezes, pesadamente, nas Antas acontece aqpenas porque contra o Benfica todos os pequenos se agigantam...
Foram tempos de ilusões. Mas João Santos passou pelo pequeno purgatório com palmarés digno, fruto de uma herança recheada de bons jogadores, de uma tradição de vitórias ainda fresca, da facilidade que existia em chamar ao Benfica tanto os melhores treinadores da Europa como os maiores craques do Brasil, de Portugal e da Suécia. Foram anos de ilusões e também facilidades. Mas passaram depressa.
Chegou Jorge de Brito e, de entre os 6 ou 14 ou 120 ou lá quantos milhões nós somos, que eu nunca contei essa gente toda, alguns, porventura menos dotados de benfiquismo ou, talvez, com maior consciência das realidades, começaram a ter maus feelings – havia qualquer coisa que lhes dizia que... enfim, admitamo-lo... estávamos “mais fracos”. Houve quem questionasse: mais fracos?! E os outros reformulavam “menos fortes, pronto”. Admitamo-lo: por esta altura, estávamos frágeis. Débeis. À beira do precipício no Neo-Benfica. Mas continuávamos alegres – olhávamos para o nosso rival, para o verdadeiro, o das riquinhas esquisitas, o que não nos deixava ser tetra, e esse, o tal rival, não ganhava havia uma porrada de anos. Acabariam por ser 18, no total, e isso muito alegrou o espírito “verdadeiramente benfiquista”. Distraídos com o infame destino do rival, nem se deu por ela: o Porto ganhou mais campeonatos nesses anos do que em toda a sua história; apanhou o Sporting no número de títulos conquistados; não falhou uma única presença na Champions. Em suma, superou-nos. E nós nunca conseguimos admiti-lo. Dói admitir. Mas às vezes mais vale uma dor momentânea que se debela do que uma maleita para a vida toda. A verdade é esta: a nós, benfiquistas, resta-nos o Neo-Benfica e a memória do Benfica velho – “velho” como o velho avô, o velho pai, o velho amigo... aquela memória antiga, querida, sempre presente. Aquilo de que a gente mais gosta.

O Benfica que falha

Não é novidade e nem tem contestação possível: todos os anos o Benfica falha. Não é isso que está em causa em mais este notável parágrafo da futeblogosfera nacional. O que eu quero é tentar perceber o que é que falha no Benfica.
Olhando para os ditos rivais, nenhum deles falha. O Porto simplesmente porque cumpre os objectivos a que se propõe todas as épocas: ser campeão, passar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões e, se der tempo, ganhar a Taça de Portugal; o Sporting, porque se propõe a muito pouco – ganhar a Taça de Portugal, se ao Porto não lhe apetecer, e ficar à frente do Benfica.
Temos, portanto, que o primeiro e, digo eu, maior erro do Benfica é propor-se aos objectivos errados. Que me perdoem os benfiquistas mais puritanos, mas vejam a coisa nesta perspectiva: não é ridículo que se exija todo o santo ano a um treinador que seja – sem margem de erro – campeão num clube que, nos últimos 15 anos, ganhou o campeonato uma única vez? Que ganhou duas Taças de Portugal? Que ganhou (e inquinadamente) uma Taça da Liga? O problema deste clube, que ainda é grande mas que já não é um grande clube, é ainda não ter dado por isso que o tempo passou, os títulos foram ganhando pó e os outros, os que eram para ser ganhos, foram-no sim – mas por outro emblema. Não o do Glorioso – este epíteto mantém-se apenas por respeito àqueles que fizeram os grandes e gloriosos momentos da história do clube; hoje em dia, olhando o presente e o passado recente, só por manifesta boa-vontade e cegueira clubista se poder crer que o Benfica ainda tem alguma coisa de glorioso. Acordemos: não tem. É um clube esvaziado, desorientado, megalómano, crente e cheio de soberba. É aqui que o Benfica falha. E, se é a Vieira que se deve a “nova Catedral” e a recuperação do crédito (até ver...) do clube, também é a ele que se pode cobrar o Benfica campeão europeu, o título de maior clube no mundo, os 300 mil sócios apregoados e, sobretudo, um campeonato medíocre, uma taça (muitíssimo bem ganha, essa) e um Taça da Liga que faz mais pela nossa vergonha do que pelo nosso palmarés.

A solução para o Benfica

Olhando para o passado deste clube, que já foi enorme em tempos, e observando o crescimento e a nova grandeza do Porto, que nos tirou o lugar – que não era herança divina, desenganem-se -, há uma conclusão que me parece simples: as grandes conquistas começam no espírito de sacrifício, na abnegação para cumprir uma estratégia, abdicando do bem individual e das teimosias pessoais para atingir um bem comum e maior – no fundo, é uma espécie de sentido de Estado que nos leva a permanecer unidos e a lutar, com garra, com objectivos, com ambição e com confiança; mas também com noção das limitações – só conhecendo as nossas fraquezas poderemos tentar superá-las -, com apurado sentido da realidade, sem ilusões parolas, que apenas contribuem para nos toldar o entendimento, fazendo escapar o essencial: assim não vamos lá. Tão depressa, não ganhamos nem um campeonato nacional, quanto mais essa utopia da Liga dos Campeões.
A solução para o Benfica – que é solução universal – não passa por manter ou despedir treinadores, por contratar ou trocar de jogadores, por ter lá o Quim ou o Moreira, por vender o Di María ou contratar o Cristiano Ronaldo. A solução para o Benfica está na mudança da mentalidade. E isto demora muitos anos até se conseguir. Para consegui-lo, o primeiro passo é ter noção da nossa realidade presente. Só depois se pode começar a construir o futuro. Sendo o processo longo, sugiro que se comece já. Agora. Neste instante. Sem ilusões ou demagogias. Aceite-se que perdemos que nem uns brutos e que não sabemos reconhecer as derrotas. Emendemos este primeiro aspecto.
Eu quero que o presidente do Benfica faça história: que se chegue aos microfones e diga, com toda a seriedade, que “para o ano, prometemos muito trabalho, jogadores lutadores, um plantel com pés e cabeça, uma equipa unida e, se possível, ficar pelo menos no terceiro lugar sem nos borrarmos todos pelas pernas abaixo, com o Nacional nos calcanhares”. É só isto que eu quero. Que, pela primeira vez em 29 anos, eu não veja um presidente do Benfica fanfarrão e convencido, mas sim um homem sério, capaz e clarividente. Não me prometam que vão ser campeões já para o ano. Prometam-me que começam a trabalhar a sério ainda no que resta desta época. Sejam sérios.