Sem máscaras, sem penas e sem espinhas
Lamentável. Uma pessoa espera, de ego cheio, até à uma da madrugada para assistir àquele espectáculo habitualmente medíocre que a TVI proporciona - com aquele apresentador tripeiro e enjoado, o outro ex-árbitro, lagarto e parvo, e ainda o João Querido Manha que, sendo benfiquista, também não é agradável... -, à espera de ver qualquer coisa parecida com análise ao clássico, e o que é que encontra? José Peseiro a explicar a táctica (perceberam agora por que razão os jogadores não percebiam?), Pôncio Monteiro a fazer de Pôncio Monteiro e Toni a fazer de corpo presente, enfatizando sempre o "... como disse, e muito bem, o Peseiro". O que mais me indignou, para além da indisfarçável má-vontade do pivot em conduzir as operações, foi o tempo de antena dado a Pôncio. Tudo bem, os primeiros cinco minutos poncianos têm sempre o seu quê de diversão. Mas, a partir daí, torna-se repetitivo, chato. E, quando o ridículo se torna enfadonho, o melhor é mudar de palhaço. Já se sabe que a TVI não tem - nunca teve; julgo que nunca terá - a menor das intenções em fazer um tratamento rigoroso da informação, seja ao nível noticioso, seja ao nível da análise. Não é essa a especialidade da estação. Mas daí a dar meia-hora de sinal aberto àquela pessoa senil e impertinente vai uma grande distância. Por que não pôr o Batatinha a comentar as incidências do jogo, por exemplo? Tem, pelo menos, mais dinâmica.
Mas não quero alongar-me em demasia por devaneios extra-futebol. Aliás, se o quisesse fazer, poderia facilmente pegar na criativa iniciativa dos super dragões e falar da ausência de certificação das máscaras anti-vírus, da vulnerabilidade de Vítor Baía às viroses da Luz ou da falta de anti-corpos de Adriaanse. Mas não irei fazê-lo: é perda de tempo. Aliás, em relação à claque tripeira e à indignação acerca da entrada atribulada no estádio, tenho apenas que esclarecer os menos entendidos: as sacudidelas policiais não foram obra do corpo de intervenção. Foi antes manobra do corpo de prevenção e despistagem. Uma espécie de "bácina", como se diz pela Invicta. Só que com seringa grossa. Alguém se constipou? É evidente que não. 100% eficaz. Bem podiam ter deixado as máscaras em casa. Assim, tiveram que as embrulhar e guardar no bolso. Acontece. Já Pinto da Costa também voltou a merecer tratamento cuidadoso. Depois da zelosa escolta do guarda Abel à sua concubina, foi a vez do aconselhamento médico dissuadir o presidente portista de pisar a relva sagrada - não fosse o bicho penoso engripar-se. E não se engripou.
Já em relação ao jogo, começo por referir um dado curioso - vale o que vale, mas não deixa de ser curioso -: em menos de uma semana, o Glorioso recebeu e venceu os dois últimos campeões europeus. Para uma equipa que procura sair da crise, é difícil encontrar incentivo maior. A bola está agora do lado de Koeman - com tudo o que isso tem de bom e de mau.
A vitória de ontem foi inequívoca. A primeira parte foi toda do Benfica, com domínio forte do meio-campo. Manuel Fernandes terá feito, provavelmente, o melhor jogo da época. Aniquilou Lucho - quanto a mim, o melhor jogador do campeonato português -, recuperou jogo, acertou os passes, não se precipitou, organizou, distribuiu, ajudou na defesa e lançou o ataque. Quase perfeito. O FC Porto nunca conseguiu assentar jogo e construir em condições. O Benfica também não fez brilharetes, mas a preocupação também não era essa. O mais importante era segurar o jogo e atacar pela certa. Foi o que aconteceu, em duas ocasiões. Numa, Alcides cruzou milimétrico para a cabeça de Robert, mas Paulo Assunção (excelente exibição) cortou, no limite, quando o francês já embalava a testa direitinha ao esférico. Na segunda, Poderosa Amélinha não deixou créditos por pés alheios e fez o que melhor sabe: falhou o golo, na cara de Vítor Baía (esta vai custar-lhe um miligrama).
O Glorioso golo surgiu da conjugação de três factores: a lesão de Helton + o pontapé de Robert + o talento de Baía. Exclamou Vítor, no final da partida "parecia que tinha controlo remoto". Caro Vítor: quando o Mourinho diz "Robert é um perigo nas bolas paradas", o melhor é acreditar e prestar atenção. Foi um pontapé fantástico, é certo. O efeito da bola foi notório. Tem coice, este francês. Mas Baía deu um frango. Dos grandes - repetindo a proeza do ano passado, que acabou defendido por Benquerença, in-extremis. Se tivesse sido Moretto, Rui Nereu ou Ricardo (sim, o do Sportém) a dar um casão daqueles, teríamos linchamento de imprensa durante, pelo menos, quinze dias. Mas a Baía perdoa-se tudo. Desde que ele vá repetindo a gracinha... - e já lhe vai longa a carreira e os frangos no currículo, portanto, o melhor é confiar que sim.
Ainda sobre a primeira parte, há mais duas ou três notas importantes. Primeiro, a melhoria de nível do meio-campo benfiquista com três homens, sendo que nenhum deles é o Beto. Karagounis esteve bem e protagonizou três ou quatro lances engraçados. Por vezes, ainda se agarra demasiado à bola. Mas, no jogo de ontem, também isso era necessário. Petit esteve incansável, como é hábito, fechando bem a primeira linha defensiva. Nas extremas, Simão esteve apagado. Ainda assim, fez a assistência para Amélinha com um passe prodigioso (na segunda parte, voltaria a repetir a dose e Nuno Gomes repetiria o falhanço, mas, desta vez, de forma menos escandalosa). Robert tem apontamentos deliciosos, de recorte fino. É pena a sua inconstância. Às vezes, esconde-se do jogo. Mas, quando pega na bola, faz estragos na defensiva adversária. Na defesa, toda a gente actuou a um bom nível. Mas destaco Léo e Alcides. Os alas benfiquistas não só defenderam com acerto como foram os primeiros motores das iniciativas de ataque. Volto a sublinhar a capacidade de Alcides em fazer toda a linha, com grande facilidade, executando cruzamentos precisos. É notável também a sua capacidade de recuperação - é muito rápido a recuperar a posição. Sobre Léo, que mais se pode dizer? Como é possível que este homem tenha passado tanto tempo no banco?
Na segunda parte, o jogo mudou. O Benfica passou a controlar as operações com uma postura igualmente pressionante, mas em terrenos mais recuados. Parece-me que a opção de Koeman foi acertada. Deste modo, seria mais difícil conceder espaços ou ter a defensiva descompensada. Por outro lado, seria mais fácil criar desequilíbrios em contra-ataques rápidos, quando recuperasse a posse de bola. Foi o que aconteceu e o Glorioso só não chegou ao segundo por alguma incompetência da linha avançada. E também de João Ferreira - aquele lance de Lucho com Petit é risível. Como é possível não ver aquela falta, de frente para o lance?
Sobre os jogadores, pouco mudou. No FC Porto, as substituições não foram de grande acerto. Adriaanse não é um treinador para os grandes momentos. Já o víramos, a época passada, em Alkmaar, e esta época no Dragão. Ontem, voltou a confirmar as previsões. Dá a ideia de que estabelece um esquema no início e depois não tem a habilidade para o moldar às circunstâncias do jogo. No Benfica, as alterações foram as estritamente necessárias e, por isso mesmo, não podem ser classificadas de acertadas ou descabidas. Foram apenas as adequadas. Ou, se quiserem, as possíveis. De realçar, nesta segunda parte, a exibição de Luisão e, uma vez mais, Léo. O central foi intransponível enquanto o lateral-esquerdo foi incansável, irrequieto e, por vezes, explosivo, ajudando a quebrar o sufoco em que a teia azul-e-branca ia envolvendo a Gloriosa defesa.
Antes de terminar, tenho que mencionar a arbitragem. Houve quem apregoasse que João Ferreira foi uma escolha pró-Benfica. Depois do jogo de ontem, só se pode constatar que tais afirmações decorreram de uma de duas causas possíveis: falta de rigor na análise ou má-fé desavergonhada. Causas que podem ser atribuídas igualmente ao desempenho do árbitro da partida. Há duas grandes penalidades por assinalar (mão de Pepe - o remate não foi à queima, foi um cruzamento largo e o corte com o braço é intencional - e agarrão de Lucho a Petit), expulsão perdoada a Quaresma em duas ocasiões (entrada violentíssima sobre Léo e agressão, a soco, a Alcides) e várias faltas a meio-campo por assinalar ou, em certos casos, assinaladas ao contrário. Em prejuízo do FC Porto, apenas o amarelo que ficou no bolso quando Léo entrou sobre McCarthy. Porém, não tendo a lesão do sul-africano tido consequências de maior, penso que o castigo a aplicar ao lateral benfiquista deverá ser decidido pela direcção do clube da Luz. Vamos lá a acabar com a violência infrutífera...
A táctica utilizada foi, uma vez mais, aquela que eu ensinei ao Koeman. Já só lhe falta trocar o Moretto pelo Quim.
Vamos aos miligramas de Dianabol:
-Moretto, 6 mlg.
-Alcides, 7 mlg.
-Luisão, 8 mlg.
-Andersson, 6 mlg.
-Léo, 8 mlg.
-Petit, 7 mlg.
-Manuel Fernandes, 8 mlg.
-Karagounis, 6 mlg.
-Robert, 7 mlg. (6 mlg. + 1 mlg. bónus pelo golo)
-Simão, 6 mlg.
-Nuno Gomes, 5 mlg.
-Marco Ferreira, 2 mlg.
-Beto, 5 mlg.
-Ricardo Rocha, um charro.